segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

POEIRA ENTREVISTA, parte 4: CELSO FARIA



A River Filmes lançava PEÇA PERDÃO A DEUS, NUNCA A MIM em 7 de dezembro de 1970, no RJ, no impressionante circuito Bruni. Acervo Fábio Vellozo
 
FV: Em 1968, você e Vincenzo Musolino trabalharam juntos novamente em Peça perdão a Deus, nunca a mim (Chiedi perdono a Dio... Non a me, Itália, 1968), estrelando Giorgio Ardisson.

CF: Exato, mas era apenas uma sequência, em que o Ardisson me mata numa mesa de pôquer, ao lado do [ator] Omero Gargano.

Giorgio Ardisson (de costas), Omero Gargano e Celso Faria no pôquer de sangue de PEÇA PERDÃO A DEUS, NUNCA A MIM. Acervo Fábio Vellozo

Trailer de PEÇA PERDÃO A DEUS, NUNCA A MIM  

FV: Em 1969, Musolino lhe deu um ótimo papel em Quintana, uma espécie de Zorro italiano.

QUINTANA chegava ao RJ para defender os fracos e oprimidos em 7 de setembro de 1970, via Famafilmes. Acervo Fábio Vellozo

CF: Ele era muito leal aos amigos, fossem atores ou técnicos. Antes da escolha do elenco, Musolino organizou uma festa e eu e minha namorada, uma italiana chamada Angioletta, fomos convidados. Quando cheguei, vi o [ator] Fabio Testi, que não era da “turma” do Vincenzo. Logo alguém me disse que não haveria papel para mim no filme, que o Testi havia sido escolhido em meu lugar. Me senti um merda: “Caralho, Musolino esqueceu de mim”. 

Pouco depois, ouço a voz do Musolino, que falava gritando: “FARIA! VIENE QUA! [Venha aqui!]. E então ele disse para a Angioletta: “Signora, per favore, pinte o cabelo dele de louro, tenho um papel bom para o Celso, que não será mais um vilão!”. Ele precisava de um rosto mais “suave”, por isso pediu para que eu tingisse o cabelo, já que meu personagem era bastante trágico. E o Testi desapareceu da festa! (risos)

Musolino era incrível, todos o amavam. Havia um sujeito, um dublê – cascatore, como eles chamam em italiano – que tinha caído de um cavalo e ficara paraplégico. Musolino nunca esquecia dele, sabia que o cara precisava de dinheiro e arranjava sempre uma participação, algum trabalho. Omero Gargano e o maestro Felice De Stefano também o idolatravam. A morte repentina dele foi um choque para todos nós.

Vincenzo Musolino em DUE SOLDI DI SPERANZA (1952), de Renato Castellani

FV: Ele faleceu durante uma cirurgia, correto?

CF: Lembro que foi em decorrência de um problema na perna, uma infecção, mas não sei se foi durante uma operação.

FV: Ele era muito jovem, não?

CF: Sim, e extremamente saudável, era forte à beça, um típico siciliano. Antes de dirigir, ele fora um excelente ator, tendo trabalhado com o Pietro Germi e o Renato Castellani.

Fotobusta de DUE SOLDI DI SPERANZA (1952). Na foto, Musolino e Maria Fiore

FV: O filme de Castellani, Due soldi di speranza (inédito no circuito comercial brasileiro, Itália, 1952), ganhou o Grande Prêmio do Festival de Cannes em 1952 (equivalente a atual Palma de Ouro, instituída três anos depois, em 1955). [Nota: além do prêmio máximo em Cannes, dividido com Othello, de Orson Welles, o longa de Castellani faturou três Fitas de Prata (Nastro d’Argento, concedido pelo Sindicato Nacional dos Críticos de Cinema Italianos), incluindo melhor filme, e foi indicado ao Bafta (concedido pela British Academy of Film and Television Arts) de melhor filme estrangeiro].


Cartaz francês de DUE SOLDI DI SPERANZA (1952), de Renato Castellani

Filme completo: DUE SOLDI DI SPERANZA, de Renato Castellani


Musolino em still de DUE SOLDI DI SPERANZA (1952)
CF: Sim, e ele era o protagonista da fita. Musolino também foi responsável por lançar a carreira do Antonio de Teffé nos westerns em Só contra todos (Perché uccidi ancora, Itália/Espanha, 1965), que ele escreveu e produziu [Nota: creditado ao espanhol José Antonio de la Loma, o filme foi dirigido por Edoardo Mulargia]. 

O enterro de Vincenzo estava abarrotado de gente. Esmeralda Barros, sua namorada, chorava copiosamente. Ele estava preparando uma fita de guerra quando faleceu, havia um boom na Itália de filmes sobre a 2ª Guerra Mundial e ele havia me dito que havia um ótimo papel para mim.

FV: Você considera o ‘Manuel’ de Quintana o seu melhor papel na Itália?

CF: Sim, junto com o vilão de Django não espera... Mata. Em 1969, Musolino era o meu melhor amigo, eu estava sempre no escritório da sua produtora, Intercontinental, jogando cartas. Eu o apresentei à Esmeralda Barros, que me procurou quando chegou à Itália: “Celso, me ajude, por favor!”. Foi a minha vez de demonstrar gratidão a Vincenzo e eu a levei para conhecê-lo, e os dois tornaram-se amantes! (risos). Aliás, ele lançou a Esmeralda no cinema italiano colocando-a no Peça perdão a Deus, nunca a mim [Nota: Esmeralda aparece brevemente como a esposa do ator e diretor Tano Cimarosa].

Musolino também me arranjou outro papel, de xerife.

FV: É mesmo? Não tenho registro de outra parceria.

CF: Sim, mas o filme nunca foi concluído. Sim, foi isso. O protagonista - um norte-americano desconhecido, acho - sofreu uma lesão grave na perna ao saltar de um cavalo.

FV: Você lembra do nome do ator?

CF: Não, mas tenho uma foto aqui. [Nota: Celso me mostra a foto abaixo, caracterizado como xerife e segurando a claquete com o título Senza respiro]. Olhe, essa é a Sophia Kammara, uma atriz grega, e ali é o Edoardo Mulargia, à esquerda, de costas. Ele era o diretor e Musolino era o produtor.

Edoardo Mulargia (primeiro à esquerda na foto, de costas), Sophia Kammara e o xerife Celso Faria no set de SENZA RESPIRO. Acervo Fábio Vellozo

[Nota: apesar de casos de filmes não concluídos por acidentes ou falta de dinheiro serem comuns na Itália dos anos 1960 e 1970, acredito que Celso tenha se confundido e que Senza respiro fosse o título original de Fico só mas mato todos (Rimase uno solo e fu la morte per tutti!, Itália, 1971), no qual interpreta um xerife. O filme foi dirigido por Mulargia e o diretor de fotografia era Alessandro Modica, cujo nome aparece na claquete da foto].

FV: Ainda sobre Quintana: vamos falar sobre seus colegas de elenco. Femi Benussi?

CF: Ah, uma beleza. Ela era iugoslava. Nós nos divertimos muito nos camarins de Cinecittà. Mais, não posso dizer! (risos)

Femi Benussi: garota da capa da Cinesex

Femi Benussi

FV: George Stevenson, o protagonista?

Tony Dimitri, o "George Stevenson"
CF: Ele era italiano [Nota: Stevenson era pseudônimo do ator e músico italiano Tony Dimitri], uma invenção do Musolino. Não sei o que ele viu no sujeito, que era esquisito, desengonçado, não sabia andar. Acho que era uma bichona (risos). Vai ver ele colocou dinheiro no filme, isso era comum na época. Você lembra do ator espanhol Conrado Sanmartin? Estava em todas, investia nas produções e sempre ‘comprava’ um papel.


FV: Você me falou a respeito de ter se recusado a fazer uma sequência no Quintana. Por quê?

CF: Sim, eu teria que correr, botar as duas mãos na bunda do cavalo, subir e sair galopando em alta velocidade. Convenci Musolino de que era trabalho para um dublê, não para mim. Nessa época, eu já era ‘alguém’, podia dizer ‘não’ ou dar sugestões. Num dos filmes do Fidani [Django e Sartana no dia da vingança (Arrivano Django e Sartana... è la fine!, Itália, 1970)], eu levava um tiro no alto de um morro e ele queria que eu rolasse montanha abaixo, que era só pedra! De todos os tamanhos! (risos).  Eu disse: “Cazzo, Fidani, você quer me matar?” (risos). Arranjaram um cascatore para fazer.

Celso, de cabelo pintado, e cadeira personalizada no set de QUINTANA. Acervo Fábio Vellozo

O gigantesco quattro foglie (1,98m x 1,40m) de QUINTANA. Acervo Fábio Vellozo

O gigantesco quattro foglie (1,98m x 1,40m) de QUINTANA [2]. Acervo Fábio Vellozo

O gigantesco quattro foglie de QUINTANA [3]: no detalhe, o autógrafo de Celso, datado de 09/09/2003. Acervo Fábio Vellozo

QUINTANA - créditos e sequência inicial

FV: Ainda em 1969, você foi ‘Ramirez’, um dos quatro que tentam matar Sartana (Jeff Cameron) em Sou Sartana, venham em quatro para morrer (...E vennero in quattro per uccidere Sartana, Itália, 1969), dirigido por Fidani.

CF: Sim, o atirador de facas!

Mais um Sartana chegava ao RJ: estreia carioca de SOU SARTANA, VENHAM EM QUATRO PARA MORRER, em 31 de agosto de 1970, via Famafilmes. Acervo Fábio Vellozo

Celso leva a pior em SOU SARTANA, VENHAM EM QUATRO PARA MORRER. Lobby card brasileiro. Acervo Fábio Vellozo

Créditos de abertura de SOU SARTANA, VENHAM EM QUATRO PARA MORRER 

FV: Fidani tinha um grupo de pessoas com as quais sempre trabalhava: Cameron, “Dennis Colt” (pseudônimo de Benito Pacifico), o compositor Coriolano ‘Lalo’ Gori. Você lembra deles?

CF: Pouco. É como eu lhe disse, todos os diretores, famosos ou desconhecidos, tinham a sua patota, profissionais com quem se sentiam à vontade para trabalhar. Fidani não era diferente.

Demofilo Fidani (de óculos) e sua "patota": Fabio Testi (primeiro à esquerda na foto) abraçado à Simonetta Vitelli (filha de Fidani), Nino Scarciofolo ("Jeff Cameron") e o mais popular ator iraniano de todos os tempos, Mohamad Ali Fardin. Acervo Simonetta Vitelli

Fidani e sua gangue no set de SOU SARTANA, VENHAM EM QUATRO PARA MORRER. Fidani está de blusa branca e óculos, na segunda fileira. À direita  (na foto), Sartana (Jeff Cameron), com o cabelo pintado de louro, e Milla Vitelli Valenza, sua esposa e 'faz tudo' nos filmes. Acervo Simonetta Vitelli

FV: Você costumava assistir os seus filmes nos cinemas?

CF: Não, sempre os via nas exibições que os produtores programavam para os atores e a equipe.

FV: Os westerns de Fidani eram exibidos em Roma ou apenas no interior da Itália?

CF: Não, nas grandes cidades também, como Roma e Milão. Obviamente, eles passavam em cinemas vagabundos, em poeiras, nos subúrbios. Apenas os westerns classe A, de Leone ou de Sollima, eram exibidos nos grandes cinemas de Roma.


Fim da PARTE 4

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

POEIRA ENTREVISTA, parte 3: CELSO FARIA



CF: Eu precisava voltar, sabia que era capaz de construir uma carreira na Itália. Além disso, o cinema brasileiro estava em crise. Liguei para a condessa e perguntei se ela me receberia de novo. Ela topou e lá fui eu para Roma. O ano era 1967.

Eu mal havia chegado e nós tivemos uma briga feia. Nunca mais a vi. Novamente, fiquei sem teto. Me virei como pude por alguns dias até que conheci uma puta na Via Veneto e nos tornamos “amigos” (risos). Morei um tempo com ela, mas sem ajudar no aluguel, é claro! (risos)

Eu ia muito à Piazza del Popolo ou à Piazza Navona, onde todos os artistas e jornalistas se reuniam. Um dia, na Piazza del Popolo, finalmente as portas se abriram para mim. Conheci um produtor de fotoromanzi (fotonovelas) que me convidou para alguns testes. Era uma febre na Itália na época, uma indústria que pagava bem, e eu acabei fazendo centenas de revistas. Na mesma semana, encontrei o Vincenzo Musolino, com quem eu havia deixado minhas fotos e que estava prestes a rodar um novo western, Django não espera... Mata (Non aspettare, Django, spara, Itália, 1967). E também revi o Flaminio Bollini Cerri, que havia dirigido na Vera Cruz e agora trabalhava na Rai [Radio Audizioni Italia, a empresa de televisão, rádio e cinema estatal italiana]. Fui chamado na rádio e assinei contrato para apresentar cinco programas em português transmitidos para o Brasil: Oggi in Italia, Tutta musica della Italia, Tutto cinema, com as novidades da indústria local, e outros dois que não lembro. Ganhava um puta salário. Finalmente aluguei um apartamento, na Piazza de Spagna.

Celso apresentando seu programa de TV na Rai. Acervo Fábio Vellozo

Cartaz original de NA SENDA DO CRIME (1954), produção Vera Cruz dirigida por Flaminio Bollini Cerri. Ao fundo, o edifício Viadutos (Bela Vista, SP), ainda em construção

FV: Quanto tempo você trabalhou na Rai?

CF: Cinco anos. Depois criaram um programa de televisão, que eu apresentava ao lado da Maria Lúcia Dahl. Era um negócio meio turístico, com imagens de cidades italianas. Lembro que eu sempre recebia convidados no programa de rádio, Tutto cinema. Uma vez, a atriz Pascale Petit apareceu de microssaia no estúdio, enquanto eu tentava entrevistá-la! Que dureza! (risos)

Musas: Maria Lúcia Dahl em NOITE EM CHAMAS (1977), de Jean Garrett. Acervo Fábio Vellozo

E a apetitosa Pascale Petit, em 1963

FV: Seu primeiro western foi Django não espera... Mata, dirigido por Edoardo Mulargia e produzido pelo Musolino. Fale sobre a importância do Musolino na sua carreira.

CF: Ele foi, na Itália, o que o Abílio Pereira de Almeida havia sido para mim no Brasil. Um amigo querido, que me lançou e que nunca se esquecia de mim para nenhum trabalho.

Lançamento carioca da estreia de Celso no western spaghetti, DJANGO NÃO ESPERA... MATA, em 20 de janeiro de 1969, via Fama Filmes. Acervo Fábio Vellozo

FV: Apesar de não andar a cavalo no filme, você usa o revólver, como no duelo com o protagonista, Ivan Rassimov (creditado como “Sean Todd”). Você já sabia atirar? Em caso negativo, quem lhe ensinou a sacar e disparar?

CF: Eu sabia cavalgar, pois cresci numa fazenda em Laranjal Paulista (SP). Nunca tinha usado uma arma, mas o próprio Musolino me ensinou “o básico” no set de filmagem.

FV: Onde o longa foi rodado? Quanto tempo durou as filmagens?

CF: Foi tudo feito na Villa western da Cinecittà. Acho que filmamos por três semanas, que era a média desses westerns B.

Cartaz dinamarquês de DJANGO NÃO ESPERA... MATA

FV: Alguma externa?

CF: Talvez, não lembro. Mas eu não fui à Espanha. Os produtores dos westerns de baixo orçamento nunca tinham grana para levar atores e equipe para Madri ou Almeria. Quando saíamos dos estúdios, filmávamos no subúrbio de Roma, em uns barrancos (risos).

Ajoelhou, tem que rezar: o moribundo Celso e a maleta de dinheiro em DJANGO NÃO ESPERA... MATA. Acervo Fábio Vellozo

FV: Seu papel como vilão é muito bom. Musolino lhe pagou bem?

CF: Sim, não tive do que reclamar.

FV: Fale sobre o diretor Edoardo Mulargia, que assinou como “Edward. G. Muller”.

CF: Ele era bom, era cuidadoso e um dos poucos que davam algum tipo de orientação para os atores. O [Demofilo] Fidani, por sua vez, não estava nem aí (risos). Nós tínhamos que filmar muito rápido, o ritmo era furioso. Você se lembra de uma cena, no início do filme, em que eu brinco com uma moeda? Pois bem, fizemos o primeiro ‘take’ e Mulargia me falou: “Celso, podia ter ficado melhor, mas está bom”. Não havia tempo para o segundo ‘take’.

O vilão Celso Faria morrendo em Cinecittà em DJANGO NÃO ESPERA... MATA. Acervo Fábio Vellozo

FV: Fale sobre seus colegas de elenco, os irmãos Ivan e Rada Rassimov, Pedro Sanchez e Marisa Traversi.

Celso e Marisa Traversi em DJANGO NÃO ESPERA... MATA. Acervo Fábio Vellozo

CF: Dos Rassimov, quase nada. Marisa era boa atriz e gente fina, nós também fizemos o Quintana e eu a reencontrei no Rio de Janeiro nos anos 1980, passando férias. Pedro Sanchez era um sujeito engraçado, trabalhamos juntos algumas vezes. Esse não era o seu nome verdadeiro [Nota: Pedro Sanchez era pseudônimo de Ignazio Spalla] e ele foi uma invenção dos produtores quando Fernando Sancho ficou caro demais. Acho que o Sanchez era caminhoneiro antes de se tornar ator.


Cartaz italiano de REZE A DEUS... E CAVE SUA SEPULTURA
FV: Como surgiu a oportunidade de interpretar um 'peón' mexicano, irmão do protagonista (o norte-americano Robert Woods), em Reze a Deus... E cave sua sepultura (Prega Dio... E scavati la fossa!, Itália, 1968)?

CF: Através do Mulargia. Ele sempre trabalhava com o Musolino, mas acho que brigaram e Edoardo foi trabalhar com o Fidani, que produziu o filme através de sua companhia, Mila Cinematografica, que era o nome da sua esposa. Depois ele mudou o nome para Tarquinia Cinematografica. Mulargia me encontrou na rua e falou: “Tenho um papel bom para você. Em uma sequência, VOCÊ [enfático] é o protagonista!” (risos). Nunca me esqueci das palavras dele!

FV: Foi nesse filme que você conheceu Demofilo Fidani?

CF: Sim.

FV: Fale sobre ele.

CF: Simpático, um sujeito bonachão. Ele era arquiteto e seu primeiro emprego em cinema foi como cenógrafo. Como produtor, ele não era muito cuidadoso, não ligava. Ele faz uma ponta no Reze a Deus, você já viu? [Nota: Fidani é o latifundiário que usa óculos escuros]. Sua mulher, Mila, era um doce de pessoa e a filha, Simonetta [Vitelli], ou “Simone Blondell”, como aparecia nos créditos, era linda. Dela eu lembro bem, pois estava doido para comer! (risos).

FV: Você e Fidani tornaram-se bons amigos após o filme, não?

CF: Sim, eu trabalhei muito para ele. Sabia que eu o apresentei para o Jece Valadão? O Jece estava passando férias em Roma e tinha planos para rodar um western no Brasil. Eu achei que seria bom reuni-los e o Fidani ficou muito interessado. Infelizmente, não saiu do papel, uma pena. [Nota: Posteriormente, em 1971, Valadão produziu e dirigiu um western, O vale do Canaã, baseado na obra de Graça Aranha].

FV: E o Fidani médium? Sabia algo sobre suas supostas habilidades paranormais?

CF: Sim, ele era um santoni, é como chamam essas pessoas na Itália. Eu acho que ele se interessou pelo assunto mais tarde, depois de velho. Alguém me contou que ele movia pedras com o poder da mente! (risos). Lembra do Maurizio Arena? Ele era um galã, protagonista. Envelheceu, engordou como um porco, virou santoni e ficou milionário!

O casal Milla Vitelli Valenza e Demofilo Fidani

FV: Fale sobre seus colegas de elenco, Robert Woods e o italiano Jeff Cameron (pseudônimo do italiano Giovanni Scarciofolo).

Bob Woods, Simone Blondell e a trupe de Fidani ("Miles Deem") em UM PISTOLEIRO MAIS VIOLENTO QUE RINGO. Acervo Fábio Vellozo

CF: Cameron era um dublê que virou ator. Não conheci Woods, não tínhamos cenas juntos no filme, apesar de eu interpretar seu irmão.


Estreia carioca, em 24 de março de 1969, via Fama Filmes. Acervo Fábio Vellozo

FV: Como foi feita a sequência da sua morte, em que você aparece enterrado até o pescoço...

CF: Meu Deus...

FV: ... e sua cabeça é esmagada pelos cavalos? Você correu riscos?

CF: Os caras cavaram um buraco circular no chão, bem fundo, e botaram uma cadeira dentro. O bobo aqui ficava sentado nela e o buraco foi coberto por um pedaço de compensado, bem vagabundo, no qual fizeram uma abertura central para a minha cabeça. Acima dos meus ombros havia duas barras de ferro, que atravessavam o buraco e suportavam a placa de madeira, que foi coberta de terra e lama. Era convincente, realmente parecia que eu estava enterrado em pé.

Eu não conseguia me mover, a abertura no compensado era muita estreita e comprimia meu pescoço. Uma sensação horrível, eu estava quase sem ar.

Eram seis cavalos, que vinham de dois em dois. Mulargia posicionou a câmera de forma que realmente dava a impressão de que eles vinham na minha direção. No filme, você vê uma cabeça fajuta sendo destruída. Ficou bom.

Quando soltassem os cavalos, cada um deveria seguir uma direção, um para a direita, outro para a esquerda, a uma distância de uns dois metros do compensado.  Deu certo com os primeiros, mas um dos cavalos do segundo par não devia ser ator profissional e veio direto na minha direção. Eu dei uma sorte danada. Uma das patas do bicho pisou na placa, ao lado da minha cabeça, exatamente em cima de uma das barras de metal. A madeira se mexeu e o cavalo ficou assustado e se afastou. Se ele tivesse pisado na minha cabeça, poderiam ter usado a cena, pois eu teria morrido; caso tivesse pisado fora da barra, teria destruído o compensado e cairia no buraco, me esmagando. Fiquei com vários hematomas no pescoço e tinha lama na minha boca, ouvido, olhos e no cabelo, que eu ainda tinha na época (risos). Foi uma loucura. Eu era um ninguém na época, não podia pedir por um dublê, eu simplesmente tinha que fazer a cena.




Fim da PARTE 3