FV: O que você fez?
CF: Fui para a pensão mais vagabunda que você possa imaginar. Lá eu
encontrei a Marília Branco, atriz brasileira e ex-mulher do Adolfo Celi.
Tornamo-nos amigos. Eu nunca ficava em casa, estava sempre na rua, procurando
emprego, com minhas fotos debaixo do braço. Um dia eu estava na Via Veneto quando vi uma coroa ruiva,
cheia de joias, mostrando as coxas (risos). Senti o cheiro do dinheiro! Cheguei
junto, me apresentei e conversamos por um tempo, eu já falava um italiano bem
razoável. Ela contou que era uma condessa suíça, mas que morava na Itália há
alguns anos. Eu não menti, admiti que era um ator brasileiro desempregado e que
as coisas não estavam “acontecendo” para mim em Roma. Eu ainda estava falando
quando ela me convidou para jantar. Na casa dela. É incrível, mas foi
exatamente assim que aconteceu. Ela me passou o endereço, Via Cassia Antica, se não me falha a memória. Lembro que precisei
pegar dois ônibus para chegar até lá e tive que pedir umas liras emprestadas
para o zelador da pensão, um egípcio. Cheguei ao apartamento, comi o melhor
jantar em meses e fomos para a cama. Contei sobre minhas aventuras em Roma e
disse: “Olha, estou duro, sem um centavo”. Naquela mesma noite, ela me convidou
para morarmos juntos. “Mas você é louca, eu não tenho nada, você vai ter que me
sustentar!”. Ela não ligava. Fomos até à pensão e ela quitou minhas dívidas,
acredita? Moramos juntos por um ano. Nesse período, caguei para tudo, inclusive
para a minha carreira. Viajamos por toda a Europa, íamos esquiar na Suíça e frequentei
festas incríveis. La dolce vita.
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O casório de Celi e Marília Branco. Acervo Fábio Vellozo |
FV: Conheceu muitas personalidades nessas festas?
CF: Sim, na maioria políticos. Mas lembro de ter conhecido o Clint
Eastwood.
FV: Eastwood?
CF: Sim, acho que ele havia acabado de fazer o primeiro western com o
Leone. Lembro que fui apresentado enquanto ele fumava um cigarro de maconha
(risos). Depois, eu e a condessa viemos para o Brasil, eu tinha dinheiro aqui,
meu apartamento estava alugado e meu pai ainda estava vivo. Ficamos por uns
dois meses até que ela soube que seu pai estava nas últimas. Ela voltou e eu
fiquei. Isso foi por volta de 1966 e foi aí que eu fiz o filme do Dionísio
Azevedo, O anjo assassino (1967).
O ANJO ASSASSINO estreava no RJ em maio de 1967, após participar do Festival de Cinema de Teresópolis... |
...onde foi detonado pelo cronista Carlinhos Oliveira, do JB, na edição de 4 de maio de 1967. Acervo JB |
FV: Mas Celso, você fez sua estreia no cinema italiano em 1964, no filme
Michelino Cucchiarella (inédito no
Brasil, Itália, 1964), dirigido por Tiziano Longo.
CF: É verdade, nem me lembrava. Acho que fiz esse filme quando ainda
morava com o Wladimir. Era uma cópia de Marcelino
pão e vinho (Marcelino pan y vino, Itália/Espanha, 1955), que havia sido um sucesso mundial
alguns anos antes. Ao invés de Pablito Calvo, nós tínhamos um garoto italiano,
Maurizio Mazzei.
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Ivy Holzer, Carlo Reali e Celso Faria num raro still de MICHELINO CUCCHIARELLA. Acervo Fábio Vellozo |
FV: O roteiro é do futuro diretor de westerns Edoardo Mulargia e um de
seus companheiros de elenco é o também futuro diretor Vincenzo Musolino, com
quem você trabalhou posteriormente. Como foi o contato com eles no set de
filmagem?
CF: Não houve contato! Eu não me recordo de ter conhecido Mulargia nesse
filme e, mais tarde, quando Musolino se tornou um de meus melhores amigos,
descobrimos que havíamos atuado em Michelino
Cucchiarella e não lembrávamos um da cara do outro! (risos)
Eu não tinha nada quando fiz esse filme. Quando finalmente
estreou e estava sendo exibido num cineminha poeira no subúrbio de Roma, eu
simplesmente não tinha dinheiro para comprar o ingresso. Fiquei parado no
lobby, olhando os cartazes e algumas fotos em que eu aparecia.
FV: Depois de O anjo assassino,
o que fez você voltar para a Itália?
CF: É simples: eu não tinha realizado o meu sonho.
Fim da PARTE 2
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