segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

POEIRA ENTREVISTA, parte 2: CELSO FARIA


FV: O que você fez?

CF: Fui para a pensão mais vagabunda que você possa imaginar. Lá eu encontrei a Marília Branco, atriz brasileira e ex-mulher do Adolfo Celi. Tornamo-nos amigos. Eu nunca ficava em casa, estava sempre na rua, procurando emprego, com minhas fotos debaixo do braço. Um dia eu estava na Via Veneto quando vi uma coroa ruiva, cheia de joias, mostrando as coxas (risos). Senti o cheiro do dinheiro! Cheguei junto, me apresentei e conversamos por um tempo, eu já falava um italiano bem razoável. Ela contou que era uma condessa suíça, mas que morava na Itália há alguns anos. Eu não menti, admiti que era um ator brasileiro desempregado e que as coisas não estavam “acontecendo” para mim em Roma. Eu ainda estava falando quando ela me convidou para jantar. Na casa dela. É incrível, mas foi exatamente assim que aconteceu. Ela me passou o endereço, Via Cassia Antica, se não me falha a memória. Lembro que precisei pegar dois ônibus para chegar até lá e tive que pedir umas liras emprestadas para o zelador da pensão, um egípcio. Cheguei ao apartamento, comi o melhor jantar em meses e fomos para a cama. Contei sobre minhas aventuras em Roma e disse: “Olha, estou duro, sem um centavo”. Naquela mesma noite, ela me convidou para morarmos juntos. “Mas você é louca, eu não tenho nada, você vai ter que me sustentar!”. Ela não ligava. Fomos até à pensão e ela quitou minhas dívidas, acredita? Moramos juntos por um ano. Nesse período, caguei para tudo, inclusive para a minha carreira. Viajamos por toda a Europa, íamos esquiar na Suíça e frequentei festas incríveis. La dolce vita.

O casório de Celi e Marília Branco. Acervo Fábio Vellozo

FV: Conheceu muitas personalidades nessas festas?

CF: Sim, na maioria políticos. Mas lembro de ter conhecido o Clint Eastwood.

FV: Eastwood?

CF: Sim, acho que ele havia acabado de fazer o primeiro western com o Leone. Lembro que fui apresentado enquanto ele fumava um cigarro de maconha (risos). Depois, eu e a condessa viemos para o Brasil, eu tinha dinheiro aqui, meu apartamento estava alugado e meu pai ainda estava vivo. Ficamos por uns dois meses até que ela soube que seu pai estava nas últimas. Ela voltou e eu fiquei. Isso foi por volta de 1966 e foi aí que eu fiz o filme do Dionísio Azevedo, O anjo assassino (1967).

O ANJO ASSASSINO estreava no RJ em maio de 1967, após participar do Festival de Cinema de Teresópolis...


...onde foi detonado pelo cronista Carlinhos Oliveira, do JB, na edição de 4 de maio de 1967. Acervo JB

FV: Mas Celso, você fez sua estreia no cinema italiano em 1964, no filme Michelino Cucchiarella (inédito no Brasil, Itália, 1964), dirigido por Tiziano Longo.

CF: É verdade, nem me lembrava. Acho que fiz esse filme quando ainda morava com o Wladimir. Era uma cópia de Marcelino pão e vinho (Marcelino pan y vino, Itália/Espanha, 1955), que havia sido um sucesso mundial alguns anos antes. Ao invés de Pablito Calvo, nós tínhamos um garoto italiano, Maurizio Mazzei.

Ivy Holzer, Carlo Reali e Celso Faria num raro still de MICHELINO CUCCHIARELLA. Acervo Fábio Vellozo

FV: O roteiro é do futuro diretor de westerns Edoardo Mulargia e um de seus companheiros de elenco é o também futuro diretor Vincenzo Musolino, com quem você trabalhou posteriormente. Como foi o contato com eles no set de filmagem?

CF: Não houve contato! Eu não me recordo de ter conhecido Mulargia nesse filme e, mais tarde, quando Musolino se tornou um de meus melhores amigos, descobrimos que havíamos atuado em Michelino Cucchiarella e não lembrávamos um da cara do outro! (risos)

Eu não tinha nada quando fiz esse filme. Quando finalmente estreou e estava sendo exibido num cineminha poeira no subúrbio de Roma, eu simplesmente não tinha dinheiro para comprar o ingresso. Fiquei parado no lobby, olhando os cartazes e algumas fotos em que eu aparecia.

FV: Depois de O anjo assassino, o que fez você voltar para a Itália?

CF: É simples: eu não tinha realizado o meu sonho. 

Fim da PARTE 2



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