CF: Eu precisava voltar, sabia que era capaz de construir uma carreira na
Itália. Além disso, o cinema brasileiro estava em crise. Liguei para a condessa
e perguntei se ela me receberia de novo. Ela topou e lá fui eu para Roma. O ano
era 1967.
Eu mal havia chegado e nós tivemos uma briga feia. Nunca mais a vi. Novamente,
fiquei sem teto. Me virei como pude por alguns dias até que conheci uma puta na
Via Veneto e nos tornamos “amigos”
(risos). Morei um tempo com ela, mas sem ajudar no aluguel, é claro! (risos)
Eu ia muito à Piazza del Popolo
ou à Piazza Navona, onde todos os
artistas e jornalistas se reuniam. Um dia, na Piazza del Popolo, finalmente as portas se abriram para mim.
Conheci um produtor de fotoromanzi
(fotonovelas) que me convidou para alguns testes. Era uma febre na Itália na
época, uma indústria que pagava bem, e eu acabei fazendo centenas de revistas.
Na mesma semana, encontrei o Vincenzo Musolino, com quem eu havia deixado
minhas fotos e que estava prestes a rodar um novo western, Django não espera... Mata (Non aspettare, Django, spara, Itália,
1967). E também revi o Flaminio Bollini Cerri, que havia dirigido na
Vera Cruz e agora trabalhava na Rai [Radio Audizioni Italia, a empresa de televisão, rádio e cinema estatal italiana]. Fui chamado na rádio e assinei contrato
para apresentar cinco programas em português transmitidos para o Brasil: Oggi in Italia, Tutta musica della Italia, Tutto
cinema, com as novidades da indústria local, e outros dois que não lembro. Ganhava um puta salário. Finalmente aluguei um apartamento, na Piazza de Spagna.
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Celso apresentando seu programa de TV na Rai. Acervo Fábio Vellozo |
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Cartaz original de NA SENDA DO CRIME (1954), produção Vera Cruz dirigida por Flaminio Bollini Cerri. Ao fundo, o edifício Viadutos (Bela Vista, SP), ainda em construção |
FV: Quanto tempo você trabalhou na Rai?
CF: Cinco anos. Depois criaram um programa de televisão, que eu
apresentava ao lado da Maria Lúcia Dahl. Era um negócio meio turístico, com
imagens de cidades italianas. Lembro que eu sempre recebia convidados no
programa de rádio, Tutto cinema. Uma
vez, a atriz Pascale Petit apareceu de microssaia no estúdio, enquanto eu
tentava entrevistá-la! Que dureza! (risos)
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Musas: Maria Lúcia Dahl em NOITE EM CHAMAS (1977), de Jean Garrett. Acervo Fábio Vellozo |
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E a apetitosa Pascale Petit, em 1963 |
FV: Seu primeiro western foi Django
não espera... Mata, dirigido por Edoardo Mulargia e produzido pelo
Musolino. Fale sobre a importância do Musolino na sua carreira.
CF: Ele foi, na Itália, o que o Abílio Pereira de Almeida havia sido
para mim no Brasil. Um amigo querido, que me lançou e que nunca se esquecia de
mim para nenhum trabalho.
Lançamento carioca da estreia de Celso no western spaghetti, DJANGO NÃO ESPERA... MATA, em 20 de janeiro de 1969, via Fama Filmes. Acervo Fábio Vellozo |
FV: Apesar de não andar a cavalo no filme, você usa o revólver, como no
duelo com o protagonista, Ivan Rassimov (creditado como “Sean Todd”). Você já
sabia atirar? Em caso negativo, quem lhe ensinou a sacar e disparar?
CF: Eu sabia cavalgar, pois cresci numa fazenda em Laranjal Paulista
(SP). Nunca tinha usado uma arma, mas o próprio Musolino me ensinou “o básico” no
set de filmagem.
FV: Onde o longa foi rodado? Quanto tempo durou as filmagens?
CF: Foi tudo feito na Villa
western da Cinecittà. Acho que
filmamos por três semanas, que era a média desses westerns B.
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Cartaz dinamarquês de DJANGO NÃO ESPERA... MATA |
FV: Alguma externa?
CF: Talvez, não lembro. Mas eu não fui à Espanha. Os produtores dos
westerns de baixo orçamento nunca tinham grana para levar atores e equipe para
Madri ou Almeria. Quando saíamos dos estúdios, filmávamos no subúrbio de
Roma, em uns barrancos (risos).
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Ajoelhou, tem que rezar: o moribundo Celso e a maleta de dinheiro em DJANGO NÃO ESPERA... MATA. Acervo Fábio Vellozo |
FV: Seu papel como vilão é muito bom. Musolino lhe pagou bem?
CF: Sim, não tive do que reclamar.
FV: Fale sobre o diretor Edoardo Mulargia, que assinou como “Edward. G.
Muller”.
CF: Ele era bom, era cuidadoso e um dos poucos que davam algum tipo de
orientação para os atores. O [Demofilo] Fidani, por sua vez, não estava nem aí
(risos). Nós tínhamos que filmar muito rápido, o ritmo era furioso. Você se
lembra de uma cena, no início do filme, em que eu brinco com uma moeda? Pois
bem, fizemos o primeiro ‘take’ e Mulargia me falou: “Celso, podia ter ficado
melhor, mas está bom”. Não havia tempo para o segundo ‘take’.
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O vilão Celso Faria morrendo em Cinecittà em DJANGO NÃO ESPERA... MATA. Acervo Fábio Vellozo |
FV: Fale sobre seus colegas de elenco, os irmãos Ivan e Rada Rassimov,
Pedro Sanchez e Marisa Traversi.
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Celso e Marisa Traversi em DJANGO NÃO ESPERA... MATA. Acervo Fábio Vellozo |
CF: Dos Rassimov, quase nada. Marisa era boa atriz e gente fina, nós também fizemos o Quintana e eu a reencontrei no Rio de Janeiro nos anos 1980, passando férias. Pedro Sanchez era um sujeito engraçado, trabalhamos juntos algumas vezes. Esse não era o seu nome verdadeiro [Nota: Pedro Sanchez era pseudônimo de Ignazio Spalla] e ele foi uma invenção dos produtores quando Fernando Sancho ficou caro demais. Acho que o Sanchez era caminhoneiro antes de se tornar ator.
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Cartaz italiano de REZE A DEUS... E CAVE SUA SEPULTURA |
FV: Como surgiu a oportunidade de interpretar um 'peón' mexicano, irmão do protagonista (o norte-americano Robert
Woods), em Reze a Deus... E cave sua
sepultura (Prega Dio... E scavati la fossa!, Itália, 1968)?
CF: Através do Mulargia. Ele sempre trabalhava com o Musolino, mas acho
que brigaram e Edoardo foi trabalhar com o Fidani, que produziu o filme
através de sua companhia, Mila
Cinematografica, que era o nome da sua esposa. Depois ele mudou o nome para
Tarquinia Cinematografica. Mulargia
me encontrou na rua e falou: “Tenho um papel bom para você. Em uma sequência,
VOCÊ [enfático] é o protagonista!” (risos). Nunca me esqueci das palavras dele!
FV: Foi nesse filme que você conheceu Demofilo Fidani?
CF: Sim.
FV: Fale sobre ele.
CF: Simpático, um sujeito bonachão. Ele era arquiteto e seu primeiro
emprego em cinema foi como cenógrafo. Como produtor, ele não era muito
cuidadoso, não ligava. Ele faz uma ponta no Reze
a Deus, você já viu? [Nota: Fidani é o latifundiário que usa óculos
escuros]. Sua mulher, Mila, era um doce de pessoa e a filha, Simonetta [Vitelli],
ou “Simone Blondell”, como aparecia nos créditos, era linda. Dela eu lembro
bem, pois estava doido para comer! (risos).
FV: Você e Fidani tornaram-se bons amigos após o filme, não?
CF: Sim, eu trabalhei muito para ele. Sabia que eu o apresentei para o
Jece Valadão? O Jece estava passando férias em Roma e tinha planos para rodar
um western no Brasil. Eu achei que seria bom reuni-los e o Fidani ficou muito interessado.
Infelizmente, não saiu do papel, uma pena. [Nota: Posteriormente, em 1971, Valadão produziu e dirigiu um
western, O vale do Canaã, baseado
na obra de Graça Aranha].
FV: E o Fidani médium? Sabia algo sobre suas supostas habilidades paranormais?
CF: Sim, ele era um santoni, é
como chamam essas pessoas na Itália. Eu acho que ele se interessou pelo assunto
mais tarde, depois de velho. Alguém me contou que ele movia pedras com o poder
da mente! (risos). Lembra do Maurizio Arena? Ele era um galã, protagonista. Envelheceu,
engordou como um porco, virou santoni
e ficou milionário!
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O casal Milla Vitelli Valenza e Demofilo Fidani |
FV: Fale sobre seus colegas de elenco, Robert Woods e o italiano Jeff
Cameron (pseudônimo do italiano Giovanni Scarciofolo).
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Bob Woods, Simone Blondell e a trupe de Fidani ("Miles Deem") em UM PISTOLEIRO MAIS VIOLENTO QUE RINGO. Acervo Fábio Vellozo |
Estreia carioca, em 24 de março de 1969, via Fama Filmes. Acervo Fábio Vellozo |
FV: Como foi feita a sequência da sua morte, em que você aparece
enterrado até o pescoço...
CF: Meu Deus...
FV: ... e sua cabeça é esmagada pelos cavalos? Você correu riscos?
CF: Os caras cavaram um buraco circular no chão, bem fundo, e botaram
uma cadeira dentro. O bobo aqui ficava sentado nela e o buraco foi coberto por
um pedaço de compensado, bem vagabundo, no qual fizeram uma abertura central para a minha cabeça. Acima dos meus ombros havia duas barras de ferro, que atravessavam
o buraco e suportavam a placa de madeira, que foi coberta de terra e lama. Era
convincente, realmente parecia que eu estava enterrado em pé.
Eu não conseguia me mover, a abertura no compensado era muita estreita e
comprimia meu pescoço. Uma sensação horrível, eu estava quase sem ar.
Eram seis cavalos, que vinham de dois em dois. Mulargia posicionou a
câmera de forma que realmente dava a impressão de que eles vinham na minha direção.
No filme, você vê uma cabeça fajuta sendo destruída. Ficou bom.
Quando soltassem os cavalos, cada um deveria seguir uma direção, um para
a direita, outro para a esquerda, a uma distância de
uns dois metros do compensado. Deu certo com os primeiros, mas um dos
cavalos do segundo par não devia ser ator profissional e veio direto na
minha direção. Eu dei uma sorte danada. Uma das patas do bicho pisou na placa,
ao lado da minha cabeça, exatamente em cima de uma das barras de metal. A
madeira se mexeu e o cavalo ficou assustado e se afastou. Se ele tivesse pisado
na minha cabeça, poderiam ter usado a cena, pois eu teria morrido; caso
tivesse pisado fora da barra, teria destruído o compensado e cairia no buraco, me esmagando. Fiquei com vários hematomas no pescoço e tinha lama na minha boca,
ouvido, olhos e no cabelo, que eu ainda tinha na época (risos). Foi uma
loucura. Eu era um ninguém na época, não podia pedir por um dublê, eu
simplesmente tinha que fazer a cena.
Fim da PARTE 3
Muito bom.
ResponderExcluirFábio. Obrigado por conseguires isto para nós fãs.
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Pedro Pereira
http://por-um-punhado-de-euros.blogspot.com
http://destilo-odio.tumblr.com/
http://filmesdemerda.tumblr.com/
Obrigado, Pedro!
ExcluirJá coloquei o 'Por um punhado de euros' na lista de blogs favoritos!
ExcluirAcompanhando e esperando a próxima parte como em um emocionante episódio de algum antigo seriado! Gracias Amigo!!
ResponderExcluirValeu, Cesar!
ExcluirEu estava deixando prá ler tudo no final, de uma vez só... mas não deu... Bravo, lord Fábio. E ele tinha história prá contar, hein?
ResponderExcluirE como tem! E ainda falta publicar as partes 6 e 7 da entrevista!
ExcluirImagina se ele tivesse se destacado, ou algo assim... bom, o astro que vocês acharam rendeu um livro, né? Chego a achar que essa entrevista do Celso dava um livro também... talvez um ebook, se nenhuma editora se interessar, prá baixar e constar no currículo;-)))
ExcluirOlha que você deu uma ideia...:-)
ExcluirO Celso é muito realista sobre a carreira dele, falaremos sobre isso nas duas partes finais da entrevista.
Mas como ele mesmo diz: "Eu me diverti pra cacete".