quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

POEIRA ENTREVISTA, parte 3: CELSO FARIA



CF: Eu precisava voltar, sabia que era capaz de construir uma carreira na Itália. Além disso, o cinema brasileiro estava em crise. Liguei para a condessa e perguntei se ela me receberia de novo. Ela topou e lá fui eu para Roma. O ano era 1967.

Eu mal havia chegado e nós tivemos uma briga feia. Nunca mais a vi. Novamente, fiquei sem teto. Me virei como pude por alguns dias até que conheci uma puta na Via Veneto e nos tornamos “amigos” (risos). Morei um tempo com ela, mas sem ajudar no aluguel, é claro! (risos)

Eu ia muito à Piazza del Popolo ou à Piazza Navona, onde todos os artistas e jornalistas se reuniam. Um dia, na Piazza del Popolo, finalmente as portas se abriram para mim. Conheci um produtor de fotoromanzi (fotonovelas) que me convidou para alguns testes. Era uma febre na Itália na época, uma indústria que pagava bem, e eu acabei fazendo centenas de revistas. Na mesma semana, encontrei o Vincenzo Musolino, com quem eu havia deixado minhas fotos e que estava prestes a rodar um novo western, Django não espera... Mata (Non aspettare, Django, spara, Itália, 1967). E também revi o Flaminio Bollini Cerri, que havia dirigido na Vera Cruz e agora trabalhava na Rai [Radio Audizioni Italia, a empresa de televisão, rádio e cinema estatal italiana]. Fui chamado na rádio e assinei contrato para apresentar cinco programas em português transmitidos para o Brasil: Oggi in Italia, Tutta musica della Italia, Tutto cinema, com as novidades da indústria local, e outros dois que não lembro. Ganhava um puta salário. Finalmente aluguei um apartamento, na Piazza de Spagna.

Celso apresentando seu programa de TV na Rai. Acervo Fábio Vellozo

Cartaz original de NA SENDA DO CRIME (1954), produção Vera Cruz dirigida por Flaminio Bollini Cerri. Ao fundo, o edifício Viadutos (Bela Vista, SP), ainda em construção

FV: Quanto tempo você trabalhou na Rai?

CF: Cinco anos. Depois criaram um programa de televisão, que eu apresentava ao lado da Maria Lúcia Dahl. Era um negócio meio turístico, com imagens de cidades italianas. Lembro que eu sempre recebia convidados no programa de rádio, Tutto cinema. Uma vez, a atriz Pascale Petit apareceu de microssaia no estúdio, enquanto eu tentava entrevistá-la! Que dureza! (risos)

Musas: Maria Lúcia Dahl em NOITE EM CHAMAS (1977), de Jean Garrett. Acervo Fábio Vellozo

E a apetitosa Pascale Petit, em 1963

FV: Seu primeiro western foi Django não espera... Mata, dirigido por Edoardo Mulargia e produzido pelo Musolino. Fale sobre a importância do Musolino na sua carreira.

CF: Ele foi, na Itália, o que o Abílio Pereira de Almeida havia sido para mim no Brasil. Um amigo querido, que me lançou e que nunca se esquecia de mim para nenhum trabalho.

Lançamento carioca da estreia de Celso no western spaghetti, DJANGO NÃO ESPERA... MATA, em 20 de janeiro de 1969, via Fama Filmes. Acervo Fábio Vellozo

FV: Apesar de não andar a cavalo no filme, você usa o revólver, como no duelo com o protagonista, Ivan Rassimov (creditado como “Sean Todd”). Você já sabia atirar? Em caso negativo, quem lhe ensinou a sacar e disparar?

CF: Eu sabia cavalgar, pois cresci numa fazenda em Laranjal Paulista (SP). Nunca tinha usado uma arma, mas o próprio Musolino me ensinou “o básico” no set de filmagem.

FV: Onde o longa foi rodado? Quanto tempo durou as filmagens?

CF: Foi tudo feito na Villa western da Cinecittà. Acho que filmamos por três semanas, que era a média desses westerns B.

Cartaz dinamarquês de DJANGO NÃO ESPERA... MATA

FV: Alguma externa?

CF: Talvez, não lembro. Mas eu não fui à Espanha. Os produtores dos westerns de baixo orçamento nunca tinham grana para levar atores e equipe para Madri ou Almeria. Quando saíamos dos estúdios, filmávamos no subúrbio de Roma, em uns barrancos (risos).

Ajoelhou, tem que rezar: o moribundo Celso e a maleta de dinheiro em DJANGO NÃO ESPERA... MATA. Acervo Fábio Vellozo

FV: Seu papel como vilão é muito bom. Musolino lhe pagou bem?

CF: Sim, não tive do que reclamar.

FV: Fale sobre o diretor Edoardo Mulargia, que assinou como “Edward. G. Muller”.

CF: Ele era bom, era cuidadoso e um dos poucos que davam algum tipo de orientação para os atores. O [Demofilo] Fidani, por sua vez, não estava nem aí (risos). Nós tínhamos que filmar muito rápido, o ritmo era furioso. Você se lembra de uma cena, no início do filme, em que eu brinco com uma moeda? Pois bem, fizemos o primeiro ‘take’ e Mulargia me falou: “Celso, podia ter ficado melhor, mas está bom”. Não havia tempo para o segundo ‘take’.

O vilão Celso Faria morrendo em Cinecittà em DJANGO NÃO ESPERA... MATA. Acervo Fábio Vellozo

FV: Fale sobre seus colegas de elenco, os irmãos Ivan e Rada Rassimov, Pedro Sanchez e Marisa Traversi.

Celso e Marisa Traversi em DJANGO NÃO ESPERA... MATA. Acervo Fábio Vellozo

CF: Dos Rassimov, quase nada. Marisa era boa atriz e gente fina, nós também fizemos o Quintana e eu a reencontrei no Rio de Janeiro nos anos 1980, passando férias. Pedro Sanchez era um sujeito engraçado, trabalhamos juntos algumas vezes. Esse não era o seu nome verdadeiro [Nota: Pedro Sanchez era pseudônimo de Ignazio Spalla] e ele foi uma invenção dos produtores quando Fernando Sancho ficou caro demais. Acho que o Sanchez era caminhoneiro antes de se tornar ator.


Cartaz italiano de REZE A DEUS... E CAVE SUA SEPULTURA
FV: Como surgiu a oportunidade de interpretar um 'peón' mexicano, irmão do protagonista (o norte-americano Robert Woods), em Reze a Deus... E cave sua sepultura (Prega Dio... E scavati la fossa!, Itália, 1968)?

CF: Através do Mulargia. Ele sempre trabalhava com o Musolino, mas acho que brigaram e Edoardo foi trabalhar com o Fidani, que produziu o filme através de sua companhia, Mila Cinematografica, que era o nome da sua esposa. Depois ele mudou o nome para Tarquinia Cinematografica. Mulargia me encontrou na rua e falou: “Tenho um papel bom para você. Em uma sequência, VOCÊ [enfático] é o protagonista!” (risos). Nunca me esqueci das palavras dele!

FV: Foi nesse filme que você conheceu Demofilo Fidani?

CF: Sim.

FV: Fale sobre ele.

CF: Simpático, um sujeito bonachão. Ele era arquiteto e seu primeiro emprego em cinema foi como cenógrafo. Como produtor, ele não era muito cuidadoso, não ligava. Ele faz uma ponta no Reze a Deus, você já viu? [Nota: Fidani é o latifundiário que usa óculos escuros]. Sua mulher, Mila, era um doce de pessoa e a filha, Simonetta [Vitelli], ou “Simone Blondell”, como aparecia nos créditos, era linda. Dela eu lembro bem, pois estava doido para comer! (risos).

FV: Você e Fidani tornaram-se bons amigos após o filme, não?

CF: Sim, eu trabalhei muito para ele. Sabia que eu o apresentei para o Jece Valadão? O Jece estava passando férias em Roma e tinha planos para rodar um western no Brasil. Eu achei que seria bom reuni-los e o Fidani ficou muito interessado. Infelizmente, não saiu do papel, uma pena. [Nota: Posteriormente, em 1971, Valadão produziu e dirigiu um western, O vale do Canaã, baseado na obra de Graça Aranha].

FV: E o Fidani médium? Sabia algo sobre suas supostas habilidades paranormais?

CF: Sim, ele era um santoni, é como chamam essas pessoas na Itália. Eu acho que ele se interessou pelo assunto mais tarde, depois de velho. Alguém me contou que ele movia pedras com o poder da mente! (risos). Lembra do Maurizio Arena? Ele era um galã, protagonista. Envelheceu, engordou como um porco, virou santoni e ficou milionário!

O casal Milla Vitelli Valenza e Demofilo Fidani

FV: Fale sobre seus colegas de elenco, Robert Woods e o italiano Jeff Cameron (pseudônimo do italiano Giovanni Scarciofolo).

Bob Woods, Simone Blondell e a trupe de Fidani ("Miles Deem") em UM PISTOLEIRO MAIS VIOLENTO QUE RINGO. Acervo Fábio Vellozo

CF: Cameron era um dublê que virou ator. Não conheci Woods, não tínhamos cenas juntos no filme, apesar de eu interpretar seu irmão.


Estreia carioca, em 24 de março de 1969, via Fama Filmes. Acervo Fábio Vellozo

FV: Como foi feita a sequência da sua morte, em que você aparece enterrado até o pescoço...

CF: Meu Deus...

FV: ... e sua cabeça é esmagada pelos cavalos? Você correu riscos?

CF: Os caras cavaram um buraco circular no chão, bem fundo, e botaram uma cadeira dentro. O bobo aqui ficava sentado nela e o buraco foi coberto por um pedaço de compensado, bem vagabundo, no qual fizeram uma abertura central para a minha cabeça. Acima dos meus ombros havia duas barras de ferro, que atravessavam o buraco e suportavam a placa de madeira, que foi coberta de terra e lama. Era convincente, realmente parecia que eu estava enterrado em pé.

Eu não conseguia me mover, a abertura no compensado era muita estreita e comprimia meu pescoço. Uma sensação horrível, eu estava quase sem ar.

Eram seis cavalos, que vinham de dois em dois. Mulargia posicionou a câmera de forma que realmente dava a impressão de que eles vinham na minha direção. No filme, você vê uma cabeça fajuta sendo destruída. Ficou bom.

Quando soltassem os cavalos, cada um deveria seguir uma direção, um para a direita, outro para a esquerda, a uma distância de uns dois metros do compensado.  Deu certo com os primeiros, mas um dos cavalos do segundo par não devia ser ator profissional e veio direto na minha direção. Eu dei uma sorte danada. Uma das patas do bicho pisou na placa, ao lado da minha cabeça, exatamente em cima de uma das barras de metal. A madeira se mexeu e o cavalo ficou assustado e se afastou. Se ele tivesse pisado na minha cabeça, poderiam ter usado a cena, pois eu teria morrido; caso tivesse pisado fora da barra, teria destruído o compensado e cairia no buraco, me esmagando. Fiquei com vários hematomas no pescoço e tinha lama na minha boca, ouvido, olhos e no cabelo, que eu ainda tinha na época (risos). Foi uma loucura. Eu era um ninguém na época, não podia pedir por um dublê, eu simplesmente tinha que fazer a cena.




Fim da PARTE 3

9 comentários:

  1. Muito bom.
    Fábio. Obrigado por conseguires isto para nós fãs.

    --
    Pedro Pereira

    http://por-um-punhado-de-euros.blogspot.com
    http://destilo-odio.tumblr.com/
    http://filmesdemerda.tumblr.com/

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  2. Acompanhando e esperando a próxima parte como em um emocionante episódio de algum antigo seriado! Gracias Amigo!!

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  3. Eu estava deixando prá ler tudo no final, de uma vez só... mas não deu... Bravo, lord Fábio. E ele tinha história prá contar, hein?

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    1. E como tem! E ainda falta publicar as partes 6 e 7 da entrevista!

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    2. Imagina se ele tivesse se destacado, ou algo assim... bom, o astro que vocês acharam rendeu um livro, né? Chego a achar que essa entrevista do Celso dava um livro também... talvez um ebook, se nenhuma editora se interessar, prá baixar e constar no currículo;-)))

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    3. Olha que você deu uma ideia...:-)
      O Celso é muito realista sobre a carreira dele, falaremos sobre isso nas duas partes finais da entrevista.
      Mas como ele mesmo diz: "Eu me diverti pra cacete".

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