sábado, 3 de agosto de 2013

CONEXÃO LAS VEGAS: A INCRÍVEL HISTÓRIA DE CHARLES NIZET



Nizet e o Las Vegas Park: montanha-russa e "hotel garrafa" de 40 andares

Nascido em Seraing (Bélgica), em 1932, mas radicado em Las Vegas (EUA), Charles Louis Nizet dirigiu e produziu, a partir do fim da década de 1960, filmes de guerra e horror, sempre com orçamentos minúsculos. Pouco se sabe da sua vida antes de COMMANDO SQUAD (1968), seu filme de estreia, um épico classe-Z ambientado na Segunda Guerra Mundial.

Ainda que não se possa acusá-lo de competente, seus filmes - todos inéditos nos cinemas brasileiros e com equipe e elenco praticamente desconhecidos - são muito divertidos.

Cartaz norte-americano de THE RAVAGER

Cartaz norte- americano de SLAVES OF LOVE
 
Nizet (agachado, à direita) e seu "mentor", John Huston





Para os ‘não iniciados’, vale dizer que o cinema ‘exploitation’ de Nizet segue a mesma linha de diretores como Ray Dennis Steckler e Al Adamson,cujos trabalhos,sempre misturando muita nudez, violência e nenhum dinheiro, eram direcionados para o então próspero mercado dos ‘drive-ins’ norte-americanos. Em entrevista ao jornal ‘Pioneiro’ de Caxias do Sul, em 2002, afirmou ser discípulo do cineasta John Huston e que “filmes devem ser feitos de acordo com o QI do povo, devem ser fáceis. Como diz um ditado americano: não devemos dar bolo aos porcos”.

Cartaz norte-americano de HELP ME... I'M POSSESSED!
Seu melhor filme, HELP ME... I'M POSSESSED! (1976) – recém-lançado em DVD nos EUA -, é uma grande salada de velhos clichês do cinema de horror: médico maluco, o assistente corcunda e sádico, um castelo fajuto no meio do deserto, uma masmorra onde se praticam torturas medievais e assassinatos misteriosos; THE RAVAGER (1970) é sobre um sujeito que retorna da Guerra do Vietnam e vira um estuprador explosivo - sim, ele explode suas vítimas e outros incautos; o argumento de SLAVES OF LOVE (1969) parece uma versão classe-Z do seriado LOST: uma tribo de mulheres usa um campo magnético para atrair aviões para sua ilha, tornando seus tripulantes escravos sexuais – uma desculpa para intermináveis sequências de ‘naturismo’; VOODOO HEARTBEAT (1972), aparentemente perdido - apesar do trailer circular por festivais e pela internet –, apresenta outro médico louco que, ao se injetar com um “elixir da juventude” - disputado por militares chineses para dar vida eterna ao líder Mao Tsé-Tung – vira uma criatura sedenta de sangue. No elenco, um “Mike Zapata” que, segundo a publicidade da época, era descendente do verdadeiro Zapata.

Cartaz norte-americano do perdido VOODOO HEARTBEAT (aka SEX SERUM OF DR. BLAKE)

Capa do VHS norte-americano de RESCUE FORCE
A história de Nizet fica ainda mais interessante a partir da década de 1990, após dirigir seu sétimo e último longa-metragem, RESCUE FORCE (1990) - que conta com o veterano Richard Harrison no elenco, além dos militares Don S. Davis e James ‘Bo’ Gritz, famoso nos anos 1980 por tentar resgatar prisioneiros de guerra norte-americanos no Vietnam. Apesar de a trama se passar no Oriente Médio, o filme foi inteiramente rodado no deserto de Nevada (EUA), no quintal de Nizet.

Numa edição de novembro de 1993 do Jornal do Brasil (RJ), uma matéria do 'Caderno B' descreve os planos avançados de um belga (ele mesmo) em ressuscitar a Companhia Cinematográfica Vera Cruz (sim, aquela). Nizet - acompanhado de um sócio brasileiro - investiria "um milhão de dólares na recuperação de dois dos três estúdios". Ainda segundo o jornal, o então “prefeito de São Bernardo (SP), Walter José Demarchi, tem um acordo verbal com o governo estadual [Luiz Antonio Fleury Filho] para, com verba do Banespa, financiar a produção de filmes brasileiros”. A intenção de Nizet era óbvia: baratear custos. “Nos EUA, se filmamos uma planta, temos que pagar um ecologista para acompanhar as filmagens”, afirmava. A primeira produção da “nova Vera Cruz” seria estrelada pelo conterrâneo de Nizet, o astro das artes marciais Jean Claude Van Damme.

Nunca mais se ouviu falar do assunto.
 
 
O 'ravager' (o falecido ator Pierre Agostino) em atividade

Supostamente, essa era a segunda investida do belga em terras brasileiras. Segundo reportagem do jornal ‘Pioneiro’, de Caxias do Sul (RS), Nizet contava aos amigos que, na década de 1950, comprara uma mina de ouro em Minas Gerais, mas foi ameaçado de morte pelos próprios sócios e obrigado a retornar a Las Vegas. Décadas depois, casou-se com uma brasileira, que conhecera no aeroporto de Guarulhos. Viveram em Las Vegas por dois anos, de 1998 a 2000, quando decide retornar ao Brasil.

 É então que o nome do belga ressurge nos jornais brasileiros em grande estilo.

Capa do DVD-R da Something Weird (Seattle/EUA) de THE RAVAGER

Nizet e seu sócio, David Morgan, adquirem uma imensa área de 94 hectares às margens da rodovia RS-122, no pequeno município gaúcho de São Sebastião do Caí (RS), de apenas 22 mil habitantes.

Preço: R$600 mil reais, pagos à vista.

Objetivo: construção do gigantesco Las Vegas Park, um parque temático que contaria com a maior montanha-russa do mundo, com 3,5 quilômetros de extensão e 175 metros de altura, construída ao redor de um hotel de 40 andares, no formato de uma garrafa de Coca-Cola. 

O espaço ainda contaria com área para grandes shows e cinco hectares destinados à construção de estúdios cinematográficos. 

Orçamento: R$ 535 milhões de reais.

Nizet apresentou o projeto para empresários locais e donos de outros parques brasileiros. A meta era fazer os interessados comprarem cotas do empreendimento, formando uma associação. 

Fixou residência no município de Flores da Cunha (RS). Virou celebridade instantânea. 

Alugou um ginásio de esportes local, onde, segundo o jornalista Róger Ruffato, do jornal ‘Pioneiro’, “descarregou os contêineres que traziam filmes e câmeras velhos, material de cenografia, livros antigos, copos, pratos, transformadores e até batedeira [...] Tudo foi acondicionado no espaço trancado por cadeados e vigiado por câmeras que nunca funcionaram, apenas serviam para manter criminosos afastados. A mesma tática era empregada na casa onde Nizet vivia com a esposa e as enteadas”.

Apresentava-se na cidade como ex-agente da CIA. Levou um dos amigos que fez em Caixas do Sul (RS) para uma estada em Las Vegas, onde, segundo o hóspede, Nizet era dono de uma mansão, um Cadillac novo, camionetes, motos e um avião Cessna. 

Seu colega de profissão, o falecido diretor Ray Dennis Steckler - outro morador do estado de Nevada - quando perguntado sobre o belga, o descreveu como “um sujeito misterioso, sempre muito bem vestido, com ternos e sapatos caros e acompanhado de belas mulheres”. “Não é bom que você me conheça”, teria dito Nizet a Steckler. 

Na noite de 4 de fevereiro de 2003, Nizet recebeu um telefonema e saiu de casa. Ao voltar, percebeu que fora seguido por um carro até a porta de sua residência. Desceu de sua ‘Blazer’ armado, mas não teve como reagir ao primeiro disparo em sua direção. Seguiram-se mais dois tiros de pistola, o terceiro no rosto.

Nizet morreu na hora. Tinha 70 anos.

Dois suspeitos do crime foram presos. Meses antes do assassinato, um deles havia sido denunciado por Nizet por ameaça, supostamente após a assinatura da escritura da área do Las Vegas Park. A dupla foi inocentada em 2005, por falta de provas, e o inquérito foi arquivado.

O corpo de Nizet segue, até hoje, na capela da família de um amigo de Caxias do Sul (RS), Eliseu Marin, numa gaveta sem foto, nome ou qualquer indício de que seus restos encontram-se ali. Seu sócio voou dos EUA para acompanhar o enterro – as ex-esposas e filhos do cineasta não vieram – e levou os objetos estocados no ginásio.  Não deu entrevistas. 

Um investidor visionário? Um apaixonado por cinema? Um picareta? Nizet levou as respostas para o túmulo. Deixou um legado de filmes vagabundos e divertidos, além de um punhado de histórias mais estranhas que sua própria imaginação poderia criar.



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