quinta-feira, 15 de agosto de 2013

TRINITY, CARAMBOLA E A FERA CARIOCA: PARTE 2

Fora o desejo da Sra. Salvatore Argento em voltar ao Rio, pouco se sabe sobre o nascimento da FERA.

A parte brasileira da produção ficou a cargo do ex-ator português Roberto Acácio, falecido em 1994. Acácio foi responsável por chanchadas de Watson Macedo (O PETRÓLEO É NOSSO, CARNAVAL EM MARTE) e pelos primeiros filmes brasileiros do argentino Carlos Hugo Christensen (MÃOS SANGRENTAS e LEONORA DOS SETE MARES). A FERA CARIOCA foi a segunda empreitada da Cinemática, sua nova produtora. A primeira havia sido OS PRIMEIROS MOMENTOS (1973), de Pedro Camargo.

'Release' brasileiro do filme de Enzo Castellari

O roteiro é creditado ao prolífico Tito Carpi, Leila Buongiorno e ao brasileiro Luiz Antonio Piá. 

Carpi, com quase cem filmes em seu currículo, era amigo e parceiro habitual do diretor Marino Girolami e de seu filho, o também cineasta Enzo G. Castellari. Seus créditos incluem POUCOS DÓLARES PARA DJANGO, VOU.. MATO... E VOLTO, MOMENTOS DE DESESPERO e INFERNO NO OESTE.

Piá, veterano diretor de TV - atualmente no SBT -, dirigiria SEXO E VIOLÊNCIA E BÚZIOS (1978) e O HOMEM DE SEIS MILHÕES DE CRUZEIROS CONTRA AS PANTERAS (1978), 'hit' de bilheteria com o comediante Costinha como um homem biônico às voltas com o sequestro do jogador de futebol Marinho, da seleção brasileira.

Costinha, o Lee Majors tupiniquim

Sem o filme à mão, o jeito é recorrer ao Guia de Filmes da Embrafilme, que trazia - no número 73/75 e 76/78 (filmes com estreia no Brasil durante o ano de 1978) - a mais completa sinopse de A FERA CARIOCA:

"Aventura policial humorística. Carlo (Michael Coby), boa vida italiano, embarca clandestinamente para o Rio, visando a receber herança deixada por seu pai Gennarino, ex-pistoleiro de Rosalindo Y Guana (Cesar Romero), rico chefão aposentado da máfia sul-americana. No navio, conhece Augusto (Augusto Alves), também clandestino, que leva um contrabando para seu tio Tigre (Aldo Maccione), pobre e sonhador marginal brasileiro. No Rio, os três aliam-se para conseguir a fita gravada que contém o testamento e se defender de Y Guana, também interessado em obter a herança, uma pistola cravejada de pedras preciosas, outrora pertencente ao mafioso. Após contratar um pistoleiro de Dallas, aprisioná-los numa fábrica de conservas para cães, de sua propriedade, persegui-los numa escola de samba e segui-los ao Rio Grande do Sul, Y Guana, acompanhado de seus capangas, defronta-se com Carlo, Tigre e Augusto numa penitenciária cujo diretor mantinha a pistola num aquário cheio de piranhas. Desencadeia-se tremenda luta, que termina com a prisão de Y Guana e a apreensão da pistola pela polícia. Desiludidos, os três malandros retornam ao Rio, iniciando nova viagem em busca de outra mirabolante fortuna: um bilhete de loteria deixado em roupa dada a um camponês, e que tinha sido premiado".

Seria curioso ver o gorducho Maccione como carioca - vestindo um terno listrado, daí o apelido "Tigre" - e o ex-Cisco Kid e ex-Coringa Cesar Romero como um traficante latino, além das participações de Grande Otelo e Milton Gonçalves (como um macumbeiro).

Nas mãos de um Zalman King, viraria ORQUÍDEA SELVAGEM.

A sequência de Lo chiamavano Trinità batendo recordes de bilheteria no Rio

Legítimo produto italiano do final dos anos 1970, FERA é, muito provavelmente, um dos muitos filmes inspirados no estrondoso e inesperado sucesso de CHAMAM-ME TRINITY (Lo chiamavano Trinità..., Itália, 1970) e TRINITY AINDA É MEU NOME (... continuavano a chiamarlo Trinità, Itália, 1971).

Abre parêntesis.

O díptico cômico de Enzo Barboni deu sobrevida ao então moribundo western spaghetti nas bilheterias. Em pouco tempo, o mercado foi invadido por sósias da dupla Mario Girotti e Bud Spencer - mais conhecidos pelos pseudônimos "Terence Hill" e "Bud Spencer", respectivamente. Os dois fariam mais onze filmes juntos, como protagonistas, após TRINITY AINDA É MEU NOME. Tal como a FERA, vieram ao Rio de Janeiro, onde rodaram EU, VOCÊ, ELE E OS OUTROS (Non c'è due senza quattro, Itália, 1984) e gravaram uma participação no programa de TV de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias.

Fecha parêntesis.

Cartaz brasileiro de Lo chiamavano Trinità (1970), de Enzo Barboni ("E.B. Clucher"). Coleção Fábio Vellozo

A ideia de contrafação é reforçada pelo crítico anônimo, curto e grosso da publicação do Centro Cattolico Cinematografico, "Segnalazioni cinematografiche", LXXXII (1977): "Commedia all'italiana sem novidades derivada do sucesso da dupla Hill-Spencer"; e pela escolha do protagonista, o italiano Antonio Cantafora, na época famoso como "Michael Coby".

Cantafora, um calabrês louro e boa pinta, "estourou" em 1974, ao lado do gordo Paul L. Smith, no modesto CARAMBOLA (Itália, 1974), de Ferdinando Baldi, imitação descarada dos "blockbusters" de Barboni.


 Tornaram-se os clones de maior sucesso de Trinità (Hill) e Bambino (Spencer).

Cartaz brasileiro de Carambola (1974), de Ferdinando Baldi. Coleção Fábio Vellozo
 
Fariam mais quatro filmes juntos: uma sequência de CARAMBOLA, TRINITY E CARAMBOLA - A DUPLA INVENCÍVEL (Carambola, filotto... tutti in buca, Itália, 1975), também de Baldi;
TRINITY E CARAMBOLA NA TRILHA DA AVENTURA (Noi non siamo angeli, Itália, 1975), de Gianfranco Parolini ("Frank Kramer", o criador das séries Sartana e Sabata), que não é Trinity nem Carambola;

Hill e Spencer? Não, Cantafora (ao volante) e Smith

e outros dois filmes como a dupla "Simone e Matteo": CONTINUO ME CHAMANDO CARAMBOLA (Simone e Matteo: Un gioco da ragazzi, Itália/Espanha, 1975) e TRINITY E CARAMBOLA, OS PARCEIROS DO DIABO (Il vangelo secondo Simone e Matteo, Itália, 1976).

Estreia no Rio do primeiro filme da dupla "Simone e Matteo"...

...e de sua sequência, também dirigida por Giuliano Carnimeo

As aventuras de Simone e Matteo - ou "Toby" e "Butch", na versão em inglês - foram dirigidas por Giuliano Carnimeo, o diretor de A FERA CARIOCA.


Corte rápido.

Smith, falecido em 2012, é mais lembrado como o Brutus do POPEYE (1980), de Robert Altman, e o carcereiro de O EXPRESSO DA MEIA NOITE (1978), de Alan Parker. Não bastasse a semelhança física com Bud Spencer, ambos 'soavam' idênticos: Smith foi propositadamente dublado em italiano pelo ator Glauco Onorato, o mesmo que emprestava a voz a Spencer. O curioso é que, como Onorato também atuava nos CARAMBOLA dirigidos por Baldi, ele próprio teve de ser dublado por outro ator, para que dois personagens do mesmo filme não falassem com a mesma voz!

Quanto a Coby e Maccione, ambos voltariam ao Rio a trabalho.

Em 1982, Cantafora podia ser visto com Marcello Mastroianni na badalação da noite carioca nos intervalos de filmagem de GABRIELA (1983), de Bruno Barreto, em que interpretou Tonico Bastos.

Maccione, por sua vez, estrelaria NO RIO VALE TUDO (Si tu vas à Rio... tu meurs, 1987, França/Brasil), de Philippe Clair, ao lado de uma Roberta Close pré-cirurgia.



"Fade".

FINE SECONDO TEMPO

3 comentários:

  1. O Coby/Cantafora tbm estrelou uma aventura infantojuvenil muito conhecida na Espanha, SUPERSONIC MAN, com o Cameron Mitchell e aparece, bem envelhecido, em IL CARTAIO, do Argento.
    Mudando de assunto, revi o longa do P.Clair (lembro do vhs com a Close na capa lá por 1988), fotografado pelo W. Carvalho e lembrei q o cineasta e ator francês tbm dirigiu uma comédia erótica com o Jerry Lewis, dublado em francês.
    Por sinal, vc sabe se o Roberto Mauro, dirtor de alguns filmes adultos brasileiros é o mesmo q faz uma ponta nesse pastelão com o Maccione e a Roberta?

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  2. Marco, acho que o Cantafora continua em atividade, agora na TV italiana. Ele tinha uma carreira interessante no cinema, já tinha feito um Margheriti excelente (E DEUS DISSE A CAIM) e um Bava bacana (BARON BLOOD, não lembro de cabeça o título em português), ao lado do Joseph Cotten e da Elke Sommer.

    O SUPERSONIC MAN é do saudoso Juan Piquer Simon, que dirigiu o Paul L. Smith em O TERROR DA SERRA ELÉTRICA (Pieces).

    Tenho uma matéria de jornal com o Mauro (antiga, uma entrevista), que coloca o filme do Clair no currículo dele. Revendo o filme daria para ver se ele realmente aparece.

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  3. E lembro de tomar um susto quando vi o envelhecido Cantafora na tela gigante do finado Palácio, da Cinelândia, em O JOGADOR DE CARTAS, do Argento.

    (O filme nunca passou em circuito, mas foi exibido no Festival do Rio de 2005. Depois, em DVD, virou JOGADOR MISTERIOSO).

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